O bambu é uma matéria-prima muito utilizada em diversas partes do mundo para os mais variados fins. No Brasil, no entanto, ainda não se aproveita todo o potencial dessa gramínea gigante.
A espécie vegetal conhecida vulgarmente por bambu pertence à família das Gramineae e apresenta mais de mil espécies espalhadas pelo mundo. A maioria das espécies encontra-se distribuída nos Continentes Asiático e Americano. A Ásia é o maior centro de biodiversidade do bambu, podendo ser considerada seu berço, principalmente pela grande aceitação que o bambu encontra junto à população.
Devido às suas múltiplas utilizações e pela facilidade em se efetuar seu plantio, o bambu é considerado, principalmente pelos povos asiáticos, como uma dádiva dos deuses, o ouro verde da floresta e o amigo do homem. No entanto, em outros países, como no Brasil, ao bambu ainda é atribuído, de forma pejorativa, o título de “madeira dos pobres”.
No Brasil, as espécies mais conhecidas e disseminadas de bambu são aquelas de origem asiática. Algumas delas foram introduzidas pelos colonizadores portugueses (principais gêneros: Bambusa e Dendrocalamus), tendo sido trazidas de suas possessões na Ásia. Atualmente, tais gêneros de bambus encontram-se disseminados por todo o território nacional, fazendo parte do ecossistema, servindo de proteção da fauna e preservando os lençóis d’água.
Além de fazer parte da típica paisagem rural brasileira, tais bambus começam a despertar o interesse econômico junto a diversas empresas. Pode-se citar, por exemplo, em Coelho Neto, no estado do Maranhão, as imensas plantações de Bambusa vulgaris Schrad, pertencentes ao grupo João Santos (Itapagé), destinadas à produção de celulose para a fabricação de sacarias industriais, principalmente para sacos de cimento.
Outros gêneros de bambus foram introduzidos mais recentemente ao Brasil, trazidos por imigrantes asiáticos (gêneros Sasa e Phyllostachys). Cabe destacar que tais bambus, de crescimento alastrante, atualmente constituem-se em importante fonte de renda para agricultores, artesãos e construtores em bambu.
O Brasil é detentor de um grande número de gêneros e de espécies de bambu. As espécies nativas são conhecidas geralmente por taquara, taboca, jativoca, taquaruçú ou taboca-açú, conforme sua região de ocorrência. Tais espécies, geralmente de porte arbustivo, se misturam e se confundem com a floresta. Existem grandes áreas desses tipos de bambu na Floresta Amazônica (Acre), no parque da Foz do Iguaçú e nas margens de alguns rios do Pantanal. Nessas regiões ocorrem bambus pertencentes ao gênero Guadua – um dos mais importantes para uso em construções.
Os portugueses, durante a colonização, estavam interessados apenas na extração do pau-brasil presente na Mata Atlântica, e não deram importância às gramíneas existentes nessa floresta, devido ao fato de as mesmas apresentarem pequeno porte, não servindo, de um modo geral, para uso em construções. Cabe lembrar que os bambus genuinamente nacionais e que apresentam porte elevado encontravam-se longe da Costa Atlântica; pode-se, inclusive, afirmar que a “descoberta” das florestas de bambus gigantes brasileiros é relativamente recente.
O Bambu na América Latina
Quando comparado com a Colômbia e o Equador, o Brasil encontra-se ainda em clara desvantagem no tocante ao uso e na aceitação do bambu junto à população. Uma hipótese provável para esse possível “atraso” tecnológico refere-se à direção segundo a qual se processou a colonização desses países, ou seja, enquanto que o Brasil foi colonizado via Oceano Atlântico, a Colômbia e o Equador o foram pelo Oceano Pacífico. Portanto, quando os espanhóis iniciaram a colonização de seus territórios na América do Sul, já se defrontaram com verdadeiras fortalezas construídas pelos nativos, feitas com o bambu Guadua.
Desse modo, os descendentes desses nativos apenas continuaram (e com certeza aprimoraram) o uso da tecnologia da construção com bambu, combinando os conhecimentos ancestrais com as novas tecnologias aportadas pelo desenvolvimento de equipamentos mais adequados para processar o bambu. No Equador foi desenvolvido recentemente um importante programa social denominado “Hogar de Cristo“, o qual visa suprir a deficiência de moradias para a população de baixa renda, por meio da industrialização na produção de casas em bambu. Esteiras de bambu são produzidas na mata, secas em depósitos e posteriormente fixadas em marcos de madeira, constituindo as parede das moradias. Basta então que uma pequena fundação de concreto ou de madeira seja disponível para que a casinha seja rapidamente montada. No entanto, para maior durabilidade da construção é recomendável que seja efetuado o recobrimento das esteiras com argamassa de cimento e areia.
Atualmente o quadro desfavorável quanto à aceitação do bambu começa ser revertido em nosso país. Como fruto do esforço inicial de abnegados pesquisadores (Júlio Medina, Dirceu Ciaramelo, Anísio Azzini, Antonio Luiz Salgado, dentre outros), situados na Seção de Plantas Fibrosas do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), um pequeno grupo de interessados começou também a desenvolver atividades relacionadas a essa planta. Assim, ainda que de forma tímida, em universidades e centros de pesquisa começaram a ser investigadas as propriedades do bambu, propondo-se novas aplicações para esse material.
Esse mesmo caminho já havia sido trilhado por pesquisadores que haviam se interessado pelo estudo e aplicação do eucalipto – um gênero exótico introduzido da Austrália. Inicialmente recebido com muita desconfiança, e depois testado como combustível para as locomotivas da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, o eucalipto tem se mostrado atualmente uma importante fonte de riqueza para o Brasil, servindo para os mais variados usos na fabricação de carvão, na produção de celulose e papel e também para uso na construção civil.
O futuro do bambu no Brasil
Importantes eventos científicos, tais como EBRAMEM, NOCMAT e CONBEA, já dedicam parte da programação à apresentação de trabalhos sobre o bambu; da mesma forma, organismos financiadores (CNPq, FAPESP, dentre outros) também tem apoiado projetos que visem avaliar as características do bambu e das aplicações de seus derivados. No entanto, cumpre ressaltar também o apoio institucional que o bambu vem recebendo nos últimos tempos – o Seminário Nacional, realizado pela primeira vez em 2005, em Brasília, constituiu um divisor de águas, e permitiu que pela primeira vez no Brasil houvesse um edital específico do CNPq para pesquisar o bambu, conseguindo-se, em 2007, financiamento para 12 grupos espalhados pelo território nacional. No segundo evento, realizado em 2008, em Rio Branco – AC, constituiu-se a Rede Brasileira do Bambu (RBB), que visa congregar todos aqueles que se interessam pelo estudo e pela aplicação do bambu e de seus derivados.
Em 2014, O CNPq lançou um novo edital voltado à ampliação dos conhecimentos sobre o bambu, permitindo que outros grupos de pesquisa pudessem ser contemplados com recursos financeiros aumentando, dessa forma, a disseminação do conhecimento em distintas partes do país. No III Seminário da Rede Brasileira do Bambu, realizado em outubro de 2015, em Goiânia – GO, foram apresentados os resultados de pesquisas recentes desenvolvidas em várias regiões brasileiras envolvendo desde a utilização do bambu no tratamento de esgotos até a sua aplicação em materiais e estruturas elaboradas. Nesse evento, encontravam-se presentes as principais lideranças nos diversos segmentos envolvidos no estudo do bambu. O evento foi ainda abrilhantado pela presença do renomado arquiteto colombiano Simón Vélez – um exemplo para aqueles que sonham em construir grandes obras com o bambu.
Para confirmar de vez o apoio governamental, em recente missão à China, o Governo Federal firmou recentemente um acordo de cooperação técnica, justamente para parcerias com um velho conhecido dos chineses – o bambu! Esse fato é de grande importância, principalmente levando-se em consideração o interesse industrial pela utilização de bambus nativos do Acre, motivo pelo qual será muito importante compartir da experiência chinesa na exploração industrial de florestas de bambu.
E, finalmente, em 2011 o Governo Federal sancionou uma lei de incentivo ao plantio do bambu (Lei Federal 12484), o que sem sombra de dúvida irá despertar o interesse empresarial visando à implantação do plantio do bambu em grande escala, provavelmente para fins de obtenção, em uma primeira etapa, de biomassa energética.
Deve-se lembrar que uma iniciativa similar, na década de 1960, estimulou o plantio do eucalipto e do pinus no território nacional. E hoje produtos à base dessas duas madeiras respondem por substancial parcela no agronegócio brasileiro, empregando milhares de pessoas e aportando riqueza ao país.
Outra importante iniciativa governamental refere-se à recente filiação do Brasil ao INBAR (International Network for Bamboo and Rattan), em novembro de 2017, um sonho acalentado há muitos anos pelos bambuzeiros brasileiros. O Brasil era um dos poucos países da América do Sul que ainda não faziam parte dessa prestigiosa rede que disponibiliza as mais importantes informações sobre o bambu e o ratã (junco).
Por outro lado, atualmente importantes organizações já se fazem presentes no território nacional, destacando-se a RBB – Rede Brasileira do Bambu, além de várias associações estaduais devidamente registradas (Bambusc – Rede do Bambu de Santa Catarina, em 2005; Bambuzal Bahia, em 2005) e outras ainda sem o devido registro legal (Rebasp – Rede do Bambu de São Paulo; Agabambu – Rede Gaúcha do Bambu).
Cabe também destacar as ações promovidas pela Aprobambu – Associação Brasileira dos Produtores de Bambu visando à divulgação da importância do plantio do bambu junto aos proprietários rurais, a busca de alternativas para se efetuar a colheita mecanizada, conforme se verificou com sucesso em recente demonstração realizada no Instituto Agronômico de Campinas, em Tatuí – SP.
A interação com fabricantes de equipamentos para a colheita do bambu implica, igualmente, em que sejam revistos os critério utilizados nos plantios atuais do bambu, em termos de espaçamento entre ruas e entre plantas, principalmente quanto à escolha da espécie que se mostre mais promissora em termos de fornecimento de energia por hectare. Da mesma forma, deve ser avaliado o impacto causado pela operação de corte nas futuras brotações – caminho esse também buscado na otimização da colheita mecanizada da cana-de-açúcar.
E, mais recentemente, em abril de 2018, foi criada a Associação Brasileira do Bambu (BambuBr), da qual sou Vice-Presidente. Essa entidade também congrega apaixonados pelas múltiplas aplicações do bambu, compreendendo desde profissionais atuantes nas mais renomadas universidades brasileiras, até produtores de mudas e construtores de obras em bambu.